Haverá outras intervenções e abordagens que merecem certamente um grande apreço da malta da geração de sonhos, mas esta do Soeiro está mesmo ......Yes !!!
Quarta 7 de Julho de 2010
Na Declaração Política do PCP hoje na Assembleia da República, José Soeiro lembrou os 35 anos passados do início da Reforma Agrária e afirmou que a Reforma Agrária não fracassou. Foi destruída pela violência do Estado que a devia implementar e acarinhar.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Frutuosa foi a germinação das sementes de Abril nos sequiosos, de liberdade, campos do Alentejo.
20 de Junho de 1974. Greve vitoriosa no concelho de Beja. Trabalhadores agrícolas e grandes proprietários assinam a 1ª Convenção Colectiva para a agricultura. Emprego para todos. Aumento de salários. Horário semanal de 44 horas. Direitos conquistados. Abalo profundo nos alicerces de um modo de produção semi feudal, assente na grande propriedade latifundiária que, ao longo de séculos, condenou à servidão gerações de trabalhadores a quem sempre negou os mais elementares direitos.
Lembro. Nenhuma legislação laboral se aplicava aos trabalhadores agrícolas. Nenhum direito lhes era reconhecido. A mínima reivindicação tinha na repressão a resposta. Muitos pagaram com a liberdade, alguns com a própria vida, a ousadia de reivindicar. De reivindicar direitos humanos elementares, como o direito ao trabalho ou condições mínimas de dignidade do mesmo. De reivindicar o pão de que careciam para si e para os seus.
Direito ao trabalho. Melhores salários. Horário justo. Reivindicações básicas. Negociadas. Acordadas. Com respeito. Sem ódios. Sem violência. Sem desejos de vingança. Apenas necessidade. Sede de justiça social. Liberdade. Democracia.
Não o entenderam latifundiários e muitos dos grandes proprietários. Não podiam entender. Viviam viciados no “quero, posso e mando” de um regime que era o seu. Reagiram mal à liberdade. À democracia.
Meteram fogo a searas. Venderam efectivos pecuários. Fizeram falsas sementeiras. Sabotaram a economia. Violaram os contratos livremente assinados. Despediram trabalhadores com 10, 15, 20 anos, vidas inteiras, ao seu serviço. Conspiraram contra o Portugal de Abril. Riam-se da sua impunidade.
Comprometeram e puseram em causa, os que assinaram, respeitaram e cumpriram os acordos assinados com os trabalhadores.
Tornaram Imperiosa outra resposta. Nova. Firme. Que o poder político não assumia apesar de fundamentadas e repetidas denúncias.
10 de Dezembro de 1974. Saúdo os que nessa manhã, conscientes do que estava em jogo, ponderados os riscos de uma resposta violenta, assumiram, com coragem, por unanimidade, ocupar a Herdade do Monte do Outeiro e tomar em mãos o processo produtivo, orientação traçada na noite anterior, entre membros do PCP.
A resposta estava dada. Pelos trabalhadores. Ocupar era o caminho necessário para a derrota das manobras conspirativas, a desestabilização, a sabotagem económica, que estavam em curso.
26 de Janeiro de 1975. Contra dúvidas, hesitações e mesmo opiniões contrárias, a decisão histórica. Cito-a: «Dar início imediato à Reforma Agrária»; «Controlo pelos trabalhadores de todas as propriedades em regime de subaproveitamento total ou parcial». Decisão? Dos trabalhadores. Proposta? Do seu Sindicato. Orientação? Discutida e decidida na noite anterior, entre comunistas na sua sede, em Beja.
Orientação ousada? Polémica? Sem dúvida. Mas acertada e justa.
9 de Fevereiro de 1975. Na 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, Álvaro Cunhal torna-a orientação e palavra de ordem para toda a zona do latifúndio. Para todo o Partido. Cito-o: “A Reforma Agrária surge natural como a própria vida, aparece como resultado da necessidade objectiva de resolver o problema do emprego e da produção, como solução indispensável e única…Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.».
15 de Abril de 1975. O Conselho da Revolução aprova o Decreto-Lei nº 203-C/75 que consagra o Programa da Reforma Agrária.
29 de Julho de 1975. A Reforma Agrária ganha forma de Lei. Lei que reconhece a justeza e dá um novo impulso à luta dos trabalhadores. Há 35 anos as ocupações generalizavam-se. Pelas mãos dos trabalhadores. Uma nova vida ganhava forma nos campos do Alentejo e Ribatejo. Cumpria-se a Revolução de Abril na zona do latifúndio.
Mais Democracia. Liberdade. Dignidade. Cidadania. Direito ao trabalho. Direito a produzir. Eis o que os trabalhadores agrícolas defenderam ao assumir as ocupações.
Selvagens e ilegais lhe chamaram alguns. Tão selvagens e ilegais como ilegal e selvagem foi o acto libertador de 25 de Abril de 1974.
17 de Outubro de 1975. “Vanguarda do Alentejo”. A primeira UCP. Dos trabalhadores. Sem outro controlo que o dos próprios. Proposta do Sindicato. Inovadora. Criativa. Nem cooperativa. Nem herdade do Estado. Nem distribuição de terras. Apenas Unidade Colectiva de Produção. Trabalhadores assalariados de si próprios. Ao serviço do Povo. Do País. Uma só ambição, arrancar da terra mais riqueza, criar mais emprego, forma de assegurar a sua distribuição e fixação no território onde é produzida. Utopia. Realidade. Acarinhada. Apoiada. Assumida pelo PCP e outros democratas.
A Reforma Agrária garantiu emprego a todos os desempregados. Permitiu o regresso de emigrantes. Travou a desertificação. Aumentou a produção e a produtividade. Diversificou culturas. Aumentou o regadio. Criou lojas e cantinas. Introduziu formas novas de gestão e organização no trabalho. Melhorou salários e condições de trabalho.
Garantiu acesso ao regime geral da segurança social. Rasgou novos horizontes para a juventude. Criou e apoiou creches, infantários, centros de dia, lares, postos médicos. Gerou cultura, alegria, festa. Vivificou o mundo rural. Animou a economia.
Com modéstia e altruísmo exemplares, analfabetos por imposição, os trabalhadores agrícolas escreveram das mais belas páginas da nossa História recente. Páginas de Ouro da Revolução de Abril. Eles não sonharam. Eles construíram uma nova e mágica realidade. Eles mostraram ser possível um Portugal melhor, sem injustiças, sem desigualdades gritantes, com pleno emprego … o Portugal que não temos mas que é justo ambicionar.
2 de Abril de 1976. PS, PSD, PCP, MDP, consagram a Reforma Agrária na Constituição da República.
Desrespeitada. Violada nos dezasseis anos seguintes. Dezasseis anos de violência. De barbárie contra quem ousou trabalhar e produzir livre de qualquer tutela. Dezasseis anos de heróica resistência. A Reforma Agrária não fracassou. Foi destruída pela violência do Estado que a devia implementar e acarinhar.
Hoje, 35 anos depois, será adequado falar de Reforma Agrária? Essa é questão a que me proponho responder se V. Ex.ªs tiverem a gentileza de, sobre isso, me questionar.
Como afirma o Poeta:
“...porque/- a capacidade de -/ sonhar/ não é coisa/ que assim/ se/ perca, iremos/ adiante, até/ ao/ fim/ o/ Alentejo”.
Disse.